terça-feira, 24 de junho de 2008

NA SALA DE AULA COM O BRUXO



Movido pelo centenário de morte do maior escritor da literatura brasileira,o mestre Machado de Assis, estou este ano, a fazer nas aulas que ministo em disciplinas do curso de Letras-Português, na Universidade Estadual do Piauí, Campus- Prof. Possidônio Queiroz, análises do conto A Cartomante. Essas análises são baseadas em leituras e discussões em forma de debates.

Esses trabalhos se processam em diferentes focos, fato que vem comprovar a universalidade da obra machadiana.Tanto que costumo brincar com meus alunos, dizendo-lhes que Machado não se enquadra em uma escola literária, mas tem sua própria escola, o machadianismo, visto a inovação narrativa usada em suas obras.

Há duas semanas, fizemos leitura e discussão do conto, na perspectiva do espaço geográfico da narrativa, evoluindo para um olhar sobre todo o espaço social que cerca a trama do bruxo do Cosme Velho.

Assim, constatamos como a mentalidade da época, com suas convenções burguesas influenciavam não só no comportamento das personagens, mas sobretudo, na condução da trama, que a exemplo de seus romances, traz à tona, uma reflexão sobre o adultério.

Para apimentar ainda mais essa reflexão acadêmica, exibi o filme brasileiro dirigido por Wagner de Assis e Pablo Uranga, baseado no conto machadiano A Cartomante, para que pudéssemos refletir os impactos da mudança do espaço na condução da mesma trama, já que o filme fora adaptado no Rio de Janeiro atual.

Ali, discutimos a atemporalidade do tema, mesmo sendo tratado num espaço social diferente, onde os conceitos já foram repensados.

O mais marcante dessas análises, foi a constatação de que a perenidade do tema proposto por Machado, não se deve somente á temática do adultério, mas sobretudo, pelo jeito machadiano de se tratar as questões humanas, numa sociedade de convenções superficiais, ontem e hoje.

Lembrava naquele momento de Eça de Queiroz, grande escritor do realismo português, que também escrevera sobre a mesma temática em obras como o Primo Basílio, mas que teve estratégias menos experimentais que as usadas por Machado de Assis.

Sem querer diminuir a obra do mestre português, debatemos muito, sobre a construção das personagens e a condução das trama desses dois mestres, e muitos foram os posicionamentos, quando lancei a observação irônica de que Vilela, personagem traído do conto a cartomante, e Bentinho, personagem traído de D. Casmurro, são muito mais bem construídos que Jorge, personagem traído da obra o primo Basílio. Tanto que Bentinho ainda hoje causa análises de todos os tipos no mundo acadêmico, pelo foco narrativo escolhido por Machado de Assis, causador da maior interpelação da literatura brasileira: Capitu traiu ou não Bentinho?

Mas nesse ponto, refletimos a importância do espaço como fio condutor dos outros pilares da narrativa, lembrando que a obra eciana, é fruto de uma conjuntura social, com sua identidade e isso é refletido no romance, pois a literatura é o reflexo de uma realidade, no espelho da fantasia.

Essas aulas, estão me fazendo repensar minhas leituras sobre Machado de Assis e Eça, estão também, nos mostrando como o cinema é frágil perante a literatura, pela sua visão única que é nos dada, que poda muitas vezes o lúdico de uma trama, mas acima de tudo, estão fazendo com que não deixemos de ler Machado de Assis, num ano onde o Brasil inteiro, precisa redescobrí-lo e evidenciá-lo.
Stefano Ferreira/ Junho de 2008

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